
O ambiente regulatório dos valores mobiliários digitais passou por uma mudança histórica quando a Securities and Exchange Commission concedeu uma carta de não-oposição à Depository Trust Company (DTC), subsidiária de liquidação da DTCC, autorizando formalmente o início de um serviço de tokenização com base em blockchain. Essa decisão marca um divisor de águas na aproximação entre as finanças tradicionais e os ecossistemas descentralizados, pois legitima a tokenização de ativos mobiliários em redes blockchain, mantendo as salvaguardas institucionais que sustentam os mercados de capitais há décadas. A carta de não-oposição da SEC permite, de forma específica, que a DTC crie e destrua tokens blockchain que representam direitos creditórios já sob sua custódia, sem que a agência tome medidas punitivas contra a clearing pela oferta desse serviço inovador.
A importância dessa aprovação regulatória vai muito além da questão técnica. Ao aprovar o programa piloto de tokenização da SEC para 2026, a agência validou o uso de blockchains conformes para o registro de propriedade de ações dos Estados Unidos, Exchange-Traded Funds (ETFs) e títulos do Tesouro. O piloto, com duração de três anos, cria um ambiente controlado para que a DTC teste a viabilidade operacional e técnica da tokenização de ativos tradicionais, exigindo relatórios trimestrais sobre número de participantes, valores tokenizados, critérios de escolha das blockchains, incidentes sistêmicos, total de carteiras registradas e exercícios do mecanismo de reversão. De acordo com Frank La Salla, Presidente e CEO da DTCC, essa iniciativa viabiliza operações mais rápidas e flexíveis, sem abrir mão das proteções ao investidor exigidas pelos mercados institucionais. A emissão da carta em dezembro de 2025 estabelece as bases para um lançamento previsto para o segundo semestre de 2026, constituindo o endosso regulatório mais sólido já dado à tokenização de ativos tradicionais via blockchain.
A mecânica operacional do serviço de tokenização da DTC evidencia como a custódia de ativos institucionais se integra perfeitamente à tecnologia blockchain. Quando um participante solicita tokenização pela infraestrutura da DTCC, a clearing debita os ativos de seu livro centralizado e credita o valor correspondente em uma nova conta digital omnibus, mantida em blockchains aprovadas. Os tokens nessas redes refletem exatamente os direitos de propriedade dos ativos sob custódia tradicional, assegurando paridade total entre representações tokenizadas e direitos convencionais. O modelo de escrituração dupla garante que cada token on-chain corresponda a um direito específico registrado no sistema central da DTCC, criando um elo verificável entre a titularidade blockchain e os mecanismos tradicionais de liquidação.
A arquitetura tecnológica que viabiliza a tokenização de ativos mobiliários em blockchains abrange tanto soluções de Layer 1 quanto de Layer 2, desde que atendam aos rigorosos padrões de segurança, desempenho e interoperabilidade da DTCC. Essa flexibilidade para operar em múltiplas infraestruturas blockchain reduz riscos de dependência de fornecedores e concentração, permitindo que a DTC avalie as melhores soluções técnicas para os requisitos institucionais. O mecanismo de reversão previsto no piloto permite que a DTC desfaça operações de tokenização quando necessário, protegendo contra transferências indevidas ou falhas de sistema que poderiam abalar a confiança institucional. Essa arquitetura reflete a abordagem de gestão de riscos das finanças institucionais, garantindo que a inovação blockchain preserve a definitividade da liquidação e a previsibilidade operacional esperadas pelos investidores institucionais. Os relatórios trimestrais convertem o piloto em um processo robusto de coleta de dados, com métricas abrangentes que irão fundamentar futuras normas regulatórias para a adoção segura da tokenização em larga escala.
A migração dos mercados de capitais institucionais para o on-chain e integração ao DeFi decorre principalmente das ineficiências inerentes à infraestrutura tradicional de liquidação. Hoje, o mercado de ações dos EUA opera em horários e ciclos de liquidação restritos, com o T+1 representando o padrão mais ágil dos mercados convencionais. A liquidação viabilizada por blockchain, em contraste, funciona de forma ininterrupta, sem atrasos, permitindo que traders institucionais operem a qualquer hora e obtenham liquidações imediatas. Essa disponibilidade contínua eleva a eficiência da alocação de capital, pois elimina barreiras geográficas e temporais para participação no mercado. A operação 24/7 das redes blockchain responde a uma demanda recorrente dos institucionais por horários de negociação estendidos e processos de liquidação simplificados.
A propriedade fracionada é outro fator-chave para a integração dos mercados institucionais ao DeFi. A estrutura tradicional impõe custos administrativos e complexidade na custódia que tornam a propriedade fracionada inviável, estabelecendo limites mínimos de investimento que excluem pequenos institucionais e o investidor de varejo de certos ativos. Com a tokenização, a divisibilidade é implementada no próprio protocolo, permitindo que ações ou títulos do Tesouro sejam fracionados em milhares ou milhões de unidades sem aumento relevante de custos administrativos. Isso democratiza o acesso a ativos institucionais — movimento reforçado pela iniciativa da SWIFT de integração blockchain com trinta grandes instituições, que representa um avanço real para os ativos reais tokenizados e reconhece que ganhos de eficiência e liquidez justificam a transformação da infraestrutura. Projeções de crescimento das stablecoins, podendo alcançar US$ 1,9 trilhão em 2035, evidenciam a confiança institucional em mecanismos de liquidação e custódia via blockchain como alternativas viáveis. O reconhecimento global, com exemplos como o Regime Piloto da União Europeia para ativos tokenizados e o Project Guardian de Singapura, comprova que o movimento não se restringe aos EUA, mas reflete uma aceitação sistêmica da blockchain para funções institucionais de mercado de capitais.
| Comparativo de Funcionalidades | Valores Mobiliários Tradicionais | Valores Mobiliários Tokenizados em Blockchain |
|---|---|---|
| Tempo de Liquidação | T+1 (1 dia útil) | Imediato (segundos) |
| Horário de Negociação | 09:30 - 16:00 EST | 24/7 contínuo |
| Propriedade Fracionada | Limitada pelos custos de custódia | Divisibilidade ilimitada no protocolo |
| Modelo de Custódia | Depositária centralizada | Ledger distribuído sob supervisão da DTC |
| Acesso Geográfico | Restringido ao horário comercial | Global, assíncrono |
| Barreira de Entrada | Investimento mínimo elevado | Possibilidade de entrada fracionada |
A infraestrutura de tokenização da DTC adota carteiras registradas que asseguram o controle institucional sobre ativos em tokens, permitindo sua operação em blockchains permissionless. Os participantes da DTC que acessam o ecossistema Web3 utilizam carteiras registradas para interagir com blockchains aprovadas, criando uma camada de identidade que conecta o ambiente permissionless da blockchain à custódia institucional regulada. Essa arquitetura preserva a função central da DTCC como depositária de ativos, ao mesmo tempo que permite integração com o universo Web3, já que o modelo de carteiras registradas assegura rastreabilidade total das transferências dentro dos parâmetros institucionais. A solução elimina o falso dilema entre descentralização blockchain e requisitos de compliance, mostrando que a integração institucional entre mercados de capitais on-chain e DeFi exige interoperabilidade desenhada entre redes permissionless e camadas reguladas de custódia.
O programa piloto de tokenização da SEC para 2026 institui monitoramento e relatórios trimestrais, viabilizando fiscalização regulatória contínua sobre as escolhas tecnológicas e eventos operacionais da infraestrutura blockchain. Esse modelo de reporte, que exige informações sobre adoção de participantes, valores tokenizados, critérios e rejeições na seleção de blockchains, falhas sistêmicas, utilização de carteiras registradas e exercícios de reversão, garante visibilidade regulatória desde o início da implantação. Diferentemente da abordagem retrospectiva, a estrutura do piloto viabiliza monitoramento em tempo real, permitindo que as autoridades acompanhem a operação da tokenização tradicional em blockchain em escala antes de normatizar regras permanentes, o que reduz incertezas e resguarda a integridade do mercado. Instituições que buscam aval da SEC para emissão de ações públicas tokenizadas, como a Ondo Finance, se beneficiam dessa clareza nos processos de liquidação e padrões de custódia, consolidando um ambiente estável para desenvolvimento de produtos institucionais.
Participantes da DTCC que acessam a infraestrutura blockchain recebem orientações precisas quanto a requisitos de compliance, procedimentos de custódia e padrões de representação de tokens, fortalecendo a confiança institucional na regulação que apoia a integração de mercados de capitais on-chain com DeFi. O papel permanente da depositária central como autoridade de tokenização assegura que a transição para blockchain mantenha a responsabilidade institucional e a segurança de liquidação exigidas pelos participantes tradicionais. O novo regime de isenção para inovação anunciado pela SEC para a implementação em 2026 amplia a flexibilidade regulatória para além das operações da DTCC, permitindo que empresas elegíveis emitam tokens sem registro integral durante o piloto controlado. Essa abordagem graduada evidencia que a tokenização de ativos tradicionais via blockchain requer experiência operacional e validação técnica antes do lançamento definitivo da infraestrutura. Ao garantir a autoridade institucional da DTCC e fomentar a inovação blockchain, o arcabouço regulatório define que a tokenização das finanças tradicionais pode avançar sem abrir mão das estruturas de compliance e segurança de liquidação imprescindíveis aos mercados institucionais.











